Um amor virtual

Movido pela solidão e pelo tesão, ele sentou-se em frente ao computador, entrando em um site à procura de alguém para conversar e, nestas coincidências da vida, do outro lado havia outro cara com a mesma intenção. Foi amor ao primeiro contato. Talvez devido à carência que ambos estavam vivendo, as conversas eram longas, fazendo com que nascesse uma grande cumplicidade entre eles, sem nem sequer fazerem idéia de como eram fisicamente.

Passados alguns meses, ele resolve viajar até a cidade onde morava o outro cara, que  demonstrou medo, pois estavam tão ligados que não queria que nada colocasse em risco aquilo que estavam vivendo e ao mesmo tempo receoso de não atender a expectativa do cara por quem estava apaixonado. Depois de muita insistência, lá foi ele com uma garrafa de vinho e uma caixa do chocolate que o outro mais gostava e que havia confidenciado no primeiro contato. Ao tocar a campainha, atendeu uma senhora e pediu-lhe que entrasse e aguardasse seu filho na sala.

Alguns minutos depois, entrou na sala, um rapaz muito bonito, moreno, olhos brilhantes, sorriso largo, sendo empurrado em sua cadeira de rodas. Acanhado, e ao ver aquele com quem havia sonhado durante dias e noites, deixou cair a primeira lágrima, pois a sensação de que não haveria um segundo encontro lhe feria a alma.

O viajante, permaneceu sorrindo, olhando-o com carinho e disse:

- Me desculpe pelo egoísmo, meu amor, mas ao vê-lo nesta cadeira, me veio a certeza de que você nunca vai fugir de mim e isto é tudo o que eu mais quero na vida, cara.

Não sei quem é o autor desse pequeno conto, confesso que me emocionei, imaginando a situação. Parece muito bonitinho e emocionante. Na tela. Mas sabemos que não corresponde à realidade.

 Tudo começa quando as pessoas se encontram no mundo virtual. De cara ambos assumem uma identidade que não corresponde àquela do mundo real. Não que não possamos ser quem realmente somos, mas na internet somos sempre mais ousados. Afinal o espelho que reflete o nosso eu, o nosso ser, passou a ser o monitor, a tela de LCD. É nele que compartilhamos sentimentos, tristezas, alegrias, vitórias. O teclado passou a ser a nossa lingua, afinal teclar é sinônimo de se comunicar, de falar. O e-mail substitui os bilhetinhos carinhosos. Diante disso tudo a web cam se tornou os nossos olhos. 
 O amor já é tão complexo por si. Um sentimento virtual então. Difícil demais explicar o estar apaixonado por alguém que nunca se viu pessoalmente. E aquela dorzinha incômoda pelo amor não materializado? As longas conversas no msn, ao telefone, as confidências, os sussurros, a excitação que muitas vezes faz com que o sexo aconteça. Mas cada um na sua casa... Cada um tocando o seu próprio corpo, o seu próprio sexo. Como é bom ouvir a outra pessoa gozando do outro lado. E fica tão difícil se despedir na hora de dormir.



Que sentimento é esse que parece ser infinitamente maior que a razão? Alguns dizem que é amor. Mas será que a tecnologia aproxima tanto assim? Será que o computador, a web cam, o telefone, o celular, são capazes de substituir o carinho, o beijo, o abraço, o toque, o sexo?

Em contraponto, será que a presença é fundamental para que se viva um amor completo e maduro? Afinal há pessoas que tem o privilégio de ter o ser amado debaixo do mesmo teto e não sabem entendê-lo. Não sabem sentí-lo. Não conseguem nem trocar algumas palavras. Eu disse palavras, não idéias.

Será que só em relacionamentos presenciais, reais, é possível viver a dois como sendo um só? Será que precisamos viver a realidade da presença? Ou amar é apenas sentir?

Relacionamentos, sejam eles virtuais ou reais,  precisam de cuidados e atenção.
Precisam ser continuamente alimentados.
Precisam ser constantemente renovados através de pequenos gestos carinhosos. Relacionamentos são vivos e existem no presente.
A garantia de permanência não vem do passado.
Somente os relacionamentos em que colocamos a nossa alma trazem a tão sonhada e verdadeira felicidade.